Por Daniel Pereira Volpato
Apresentamos aos nossos leitores uma transcrição da explicação do tempo
da Quaresma por Dom Beda Keckeisen, OSB, em seu Missal Quotidiano (para a Forma
Extraordinária do Rito Romano). Como se trata de um texto voltado mais para a
espiritualidade deste tempo litúrgico, mantém-se adequado como preparação para
a maior das festas católicas, a Páscoa de Nosso Senhor.
Devido à mudança para o novo Código de
Direito Canônico, posterior à data de publicação deste missal, é preciso levar
em conta que as normas atuais obrigam o jejum a partir dos 18 anos.
2. O TEMPO DA QUARESMA
1. Significação deste Tempo. Durante estes
quarenta dias os Cristãos se unem intimamente aos sofrimentos e à morte do
Divino Salvador, a fim de ressuscitarem com Ele para uma vida nova, nas grandes
solenidades pascais.
Nos primeiros tempos do Cristianismo esta idéia fundamental achava sua
aplicação no Batismo dos catecúmenos e na reconciliação dos penitentes. Por
toda a liturgia da Quaresma, a Igreja instruía os pagãos que se preparavam para
o Batismo. No Sábado Santo mergulhava-os nas fontes batismais, de onde saíam
para uma vida nova, como o Cristo, do túmulo. Por sua vez os fiéis, gravemente
culpados, deviam fazer penitência pública e cobrir-se de cinzas (Quarta-feira
de Cinzas) para acharem uma vida nova em Jesus Cristo. Convém reparar nestes
dois elementos, para compreender a liturgia da Quaresma e a escolha de muitos
textos sagrados.
2. Nossa participação neste Tempo. No ofício das Matinas
do I domingo, lemos o sermão que o Papa S. Leão Magno, no século V, dirigiu ao
povo, explicando a liturgia da Quaresma: "Sem dúvida, diz ele, os Cristãos
nunca deveriam perder de vista estes grandes Mistérios... porém, esta virtude é
de poucos. É preciso, contudo, que os Cristãos sacudam a poeira do mundo. A
sabedoria divina estabeleceu este tempo propício de quarenta dias, a fim de que
as nossas almas se pudessem purificar, e por meio de boas obras e jejuns,
expiassem as faltas de outros tempos. Inúteis seriam, porém, os nossos jejuns,
se neste tempo os nossos corações se não desapegassem do pecado”.
Lendo estas palavras, parece-nos
assistir à abertura de um retiro. Com efeito, a Quaresma é o grande retiro
anual de toda a família cristã, sob a direção maternal e segundo o método da
Santa Igreja. Este retiro terminará pela confissão e comunhão geral de todos os
seus filhos, associados assim, realmente, à Ressurreição do Divino Mestre, e
ressurgindo por sua vez a uma vida nova.
As práticas exteriores que devem
desenvolver em nós o espírito do Cristo e unir-nos a seus sofrimentos, são o
jejum, a oração e a esmola.
O jejum é imposto
pela santa Igreja a todos os fiéis, depois de 21 anos completos até atingirem
os 60 anos. Seria um engano pernicioso não reconhecer a utilidade desta
mortificação corporal. Seria menosprezar o exemplo do próprio Cristo e pecar
gravemente contra a autoridade de sua Igreja. O prefácio da Quaresma nos
descreve os efeitos salutares do jejum, e aqueles que por motivos justos são
dele dispensados não o estarão do jejum espiritual, isto é, de se privarem de
festas, teatros, leituras puramente recreativas, etc.
A oração. Assim como a
palavra jejum abrange todas as mortificações corporais, da mesma maneira
compreende a palavra oração todos os exercícios de piedade feitos neste tempo,
com um recolhimento particular, como sejam: a assistência à santa Missa, a
Comunhão freqüente, a leitura de bons livros, a meditação especialmente da
Paixão de Jesus Cristo, a Via Sacra e a assistência às pregações quaresmais.
A esmola compreende as
obras de misericórdia para com o próximo. Já no Antigo Testamento está dito:
"Mais vale a oração acompanhada do jejum e da esmola do que amontoar
tesouros" (Tob. 12, 8).
Praticando essas obras preparavam-se
antigamente os catecúmenos para o Batismo que iam receber no Sábado de Aleluia,
enquanto os penitentes públicos se submeteram a elas com espírito de dor e
arrependimento de coração.
Saibamos também nós que aquele que não
faz penitência perecerá por toda a eternidade (Luc. 13, 3).
Renovemos em nós a graça do Batismo e
façamos dignos frutos de penitência. Os textos das Missas, a cada passo nos
exortam a isto.
Convém, entretanto, evitar que a nossa
piedade seja exercida por compaixão sentimental ou tristeza exagerada. Sim, é
um combate, uma morte terrível que vamos contemplar, mas é também, e sobretudo,
uma vitória, um triunfo. Em verdade assistiremos a uma luta gigantesca do homem
novo; ouviremos os seus gemidos, seguiremos os seus passos sangrentos,
contaremos todos os seus ossos; mas isso é apenas um episódio de sua vida; o
desenlace é um grito de vitória, um canto de triunfo.
3. Particularidades deste Tempo. A cor dos paramentos
é a violácea.
Omite-se completamente o Aleluia, e o
Glória só se canta nas festas dos Santos. Os altares são despojados dos seus
enfeites e o órgão se cala, menos no IV. domingo.
Cada dia deste Tempo tem a sua "estação", com Indulgências
especiais e uma liturgia própria, cujos Cânticos e Leituras nos incitam à
penitência e à conversão, enquanto as Orações imploram para nós o perdão e a
graça.
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